Sem dúvida excepcional. Uma abelha na chuva, de Carlos de Oliveira, publicado pela primeira vez em 1953, é um romance que manifesta o conflito infeliz do casamento forçado entre Álvaro Silvestre e D. Maria dos Prazeres. Durante o enredo deste outono invernoso, podemos observar a angústia da relação, as traições, o desespero, a obsessão com a ideia de morte, os sentimentos desmedidos, as emoções fragilizadas…
Esta obra maioritariamente descritiva tem início em Montouro, onde Álvaro Silvestre e D. Maria dos Prazeres dão início ao serão habitual. Primeiramente, compareceram o Padre Abel e D.Violante, acusados de mancebia; posteriormente, D.Cláudia, professora primária, bastante frágil, e, por fim, o Dr.Neto, um médico erudito casado com a educadora. Durante a reunião, Álvaro embebedara-se, como sempre, quando surgiu a pergunta: ”Vida e morte, o que são?”. O protagonista ficouf a refletir a respeito desta questão até ao final do serão, quando finalmente teve em consideração: “A morte é perder as terras, a loja, o dinheiro,para sempre, e apodrecer, devorado pelos vermes…”.
Esta citação, em especial, dá muito em que pensar. Realmente, assim que morremos, perdemos tudo. Casa, família, bens.. Mas é a morte que nos espera no final da vida, e não é propriamente uma coisa que possamos evitar; precisamos de morrer para dar continuidade às gerações seguintes. Encerrada a reunião, Álvaro dirige-se para o escritório onde não consegue pregar olho devido à obsessão com a ideia de morte. Por essa mesma razão, decide sair para desanuviar as ideias quando se depara com o seu cocheiro, Jacinto, envolvido com Clara, filha de mestre António, o oleiro. No palheiro onde se encontravam, Álvaro ouvira Jacinto enunciar o nome de D.Maria; ouvira-o dizer que a sua mulher olhava-o como se o quisesse “comer”. Deixado levar pela raiva e frustração, Álvaro decide expor o relacionamento amoroso a mestre António, pai de Clara, que se encontrava grávida na altura. Mestre António almejava grandes futuros por parte de Clara e achava que, se esta fosse casar com um mero cocheiro, podia arruinar a vida dela. Posto isso, teve a ideia de matá-lo, juntamente com o seu aprendiz, Marcelo. No final, o sofrimento de Clara era de tal maneira, que decidiu tirar a sua própria vida.
Pessoalmente, admiro a forma como Carlos de Oliveira nos alude ao facto de sermos responsáveis pelos nossos próprios atos; a maneira como o ser humano é egoísta, cego, adaptando o mundo à sua maneira de acordo com a sua vontade. Álvaro Silvestre e mestre António são exemplos desse egoísmo; seres humanos deixados levar pelos sentimentos, de modo a concretizar os seus desejos egocêntricos. Álvaro queria jus ao desrespeito e acusações de Jacinto; mestre António queria que Clara tivesse um futuro digno. Ao contrário destas duas personagens, D. Maria dos Prazeres, descendente de uma família de fidalgos, bastante serena, é uma personagem que particularmente me chamou a atenção. Forçada a casar com Álvaro, um mero burguês, para manter a imagem da família, a nossa segunda protagonista vive uma vida cheia de arrependimentos e desilusões. Como qualquer ser humano, D. Maria dos Prazeres só queria sentir-se amada, sentir-se segura, sentir-se em paz, sendo que esta não teve grande oportunidade de escolha.
Uma abelha na chuva mostra também a influência da sociedade no nosso mundo. O medo de sermos julgados, a necessidade de aprovação, são fatores que estão bastante presentes no livro, bem como na realidade. Transmite a real sensação de que nós viemos ao mundo para sermos avaliados, para sermos controlados, para sermos condenados ao mínimo erro que cometamos.
Uma outra perspectiva de vida, de facto. A ideia de sermos humanos, “abelhas” insignificantes deixadas levar pelos sentimentos, a ideia de que um dia deixaremos tudo para trás sem saber se iremos para o céu ou para o inferno, ou até mesmo para nenhum deles se realmente existir tal coisa, a agonia de um dia deixarmos os nossos entes queridos, enfim. Esta obra faz-nos refletir sobre estes aspetos, sim, mas também nos relembra que a vida não é só medo, que existe muito mais para além da morte. Os sentimentos, desde a raiva, arrependimento, à compaixão, ao amor, são o que nos torna humanos, são o que nos torna estas “ abelhas” especiais e não meras “abelhas”de quintal.
Esta é sem dúvida uma das obras mais emocionantes, interessantes e inesquecíveis que já li, pois aborda aspetos reais da nossa sociedade e do mundo em que vivemos. Recomendo este livro a quem queira desfrutar de um bom romance e a quem goste de refletir e discutir sobre assuntos da nossa realidade. Afinal, nós somos seres humanos e todos cometemos erros. E quem é que já não se sentiu frágil perante todas as adversidades da vida, tal como ao imaginarmos o bater das asas duma abelha a tentar sobreviver num dia chuvoso?
Ficha técnica:
Classificação: 5/5 💛💛💛💛💛
Artur Marques, 10ºA, nº3
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